Eu sempre
gostei de cinema francês. Sempre mesmo. Me lembro que, ainda
criança, lá na paleozoica década de noventa, ficava acordada até tarde
assistindo a uns filmes franceses em preto e branco que passavam na Band.
Maravilhosas versões de “A Bela e a Fera” e “A Família Adams” fizeram minha
cabeça explodir naquela época. O que dizer da poesia de “Gigot”, o adorável
grandalhão que nunca conseguia comer biscoitos inteiros? Apesar de ser uma
comédia, é um dos filmes mais tocantes que já vi.
O fato é
que o cinema francês sempre esteve presente para mim e eu nunca consegui
entender o que me chamava tanta atenção. E foi assistindo a “Ferrugem e Osso”
que eu me lembrei o porque de amar tanto a forma como os franceses filmam.
Eles filmam sem frescura, sem pudor e a maioria dos filmes tem uma entrega de
cena quase visceral. E é isso que vemos em “Ferrugem e Osso”.
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O filme
conta a história de Alain (Matthias
Schoenaerts) um homem bronco que está desempregado e vive com o filho, de
apenas cinco anos. Ele parte para a casa da irmã em busca de ajuda e acaba
conseguindo um emprego como segurança de boate. É justamente neste emprego que
ele conhece Stéphanie (Marion Cotillard), uma jovem independente e
aparentemente segura de si, que acaba se tornando um ponto de apoio importante em sua vida totalmente bagunçada.
Seguimos sendo apresentados aos personagens de maneira gradual. A vida
sem rumo de Alain e sua completa falta de jeito com o filho; as decisões fortes
de Stéphanie contrastada com sua sensibilidade ao treinar orcas em um parque
aquático. E é justamente neste parque aquático que ela sofre um acidente e
perde as duas pernas. O que vemos a partir daí é uma sucessão de cenas fortes e
emocionantes e atuações de tirar o fôlego.
Os personagens que se encontram pela primeira vez em uma boate – um
feliz pelo trabalho novo e outro dançando como se não houvesse amanhã – e logo
no segundo encontro já estão marcados por todos os tipos de dores. A partir
deste ponto, somos arremessados para fora do avião sem paraquedas.
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Relações intensas, diálogos fortes e dor, muita dor. O que faz de
“Ferrugem e Osso” um filme tão forte é a forma como os sentimentos são
exteriorizados. Nada de lágrimas, músicas tristes ao fundo ou escorregadas pela
porta. Tudo o que se passa pela mente dos personagens, seus corpos sentem, e
nós conseguimos ver com riqueza de detalhes. Nenhum medo ou angústia passa
impune a força física. Alain briga com o filho e o empurra contra um sofá
fazendo com que o menino bata a cabeça em uma quina, o menino chora pelo susto,
mas não pela dor. Alias, nesse filme ninguém chora, ninguém parece ter tempo a
perder com sensibilidade.
O personagem de Matthias Schoenaerts corre, grita, bate no filho, briga
com a irmã, se envolve em lutas clandestinas para conseguir dinheiro e, em meio
a esse turbilhão de acontecimentos ele não derruba uma única lagrima - sequer
fica pensativo – nem mesmo quando deixa o menino para ser criado pela tia.
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A atuação de Marion Cotillard é algo quase surreal. As dificuldades
enfrentadas no pós-operatório de sua amputação, a adaptação à nova casa e a
nova condição de vida, o amor a Alair que ela tenta reprimir... Tudo é feito
com uma entrega absurda. Aliás, vale ressaltar o excelente uso de efeitos
especiais neste filme. Graças a eles somos presenteados com cenas tocantes de
Stéphanie; como o seu primeiro banho de mar após perder as duas pernas. Fica
muito difícil acreditar que Marion não seja uma amputada.
A relação de sua personagem com Alair é quase selvagem. Muito sexo, mas
nada de beijos ou abraços. Stéphanie não se rende nem mesmo ao acompanhá-lo nas
lutas e sequer torce o nariz ao ver o rosto quase desfigurado do parceiro.
Juntos, ambos protagonizam belas cenas; como a que ele a ajuda a chegar até o
banheiro e depois ambos começam a rir.
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O diretor Jacques Audiard usa de closes e
muita câmera na mão para nos manter próximos dos personagens, mas lhe dando o
espaço suficiente para extravasar os sentimentos a qualquer minuto. conseguimos compreender isso já nos primeiro minutos; quando Alair rouba para poder alimentar o filho. O diretor nos faz entrar com ele na loja quase que como cúmplices, nos preocupamos se ele será pego e então somos colocados para correr em seu encalço até a praia onde o menino o espera; depois somos gentilmente convidados a observá-los de muito longe. É como se Audiard nos dissesse que seus personagens precisam de muito espaço para poderem ser quem realmente são.
Ele volta a se valer deste recurso nas cenas da adaptação de Stéphanie as próteses. Primeiro muito perto, quase a ajudando a encaixar as peças, depois de longe, permitindo que ela mesma decida o que quer e pode fazer. Sem poupar o espectador de nada, Audiard mostra cicatrizes, cortes profundos e nu frontal sem nenhuma cerimônia e é preciso ao dar humanidade aos seus personagens sem que eles se percam no vitimismo.
Ele volta a se valer deste recurso nas cenas da adaptação de Stéphanie as próteses. Primeiro muito perto, quase a ajudando a encaixar as peças, depois de longe, permitindo que ela mesma decida o que quer e pode fazer. Sem poupar o espectador de nada, Audiard mostra cicatrizes, cortes profundos e nu frontal sem nenhuma cerimônia e é preciso ao dar humanidade aos seus personagens sem que eles se percam no vitimismo.
Com uma
cena forte e muito tensa, vemos o personagem de Schoenaerts quebrar as duas mãos enquanto tenta romper uma grossa camada
de gelo para salvar o filho de morrer congelado. É nessa cena que entendemos
porque ficamos quase estáticos diante da tela por mais de duas horas e também o
porque deste filme ter sido aplaudido em pé por mais de dez minutos no Festival
de Cannes em dois mil e doze.
FICHA TÉCNICA
Direção - Jacques Audiard
Roteirista - Thomas Bidegain
Compositor - Alexandre Desplat
Produtor - Jacques Audiard
Produtor -
Pascal Caucheteux
ELENCO
Marion
Cotillard - Stéphanie
Matthias
Schoenaerts - Alain van Versch
Céline Sallette
- Louise
Corinne Masiero
- Anna
Bouli Lanners - Martial
Yannick Choirat - Simon
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