sábado, 26 de novembro de 2016

CRÍTICA: Gilmore Girls – um ano para recordar.




Me lembro a primeira vez que vi Gilmore Girls. Eu devia ter uns doze anos, mais ou menos, e estava zapeando pelos canais de madrugada durante as férias de varão. De repente uma menina trajando um uniforme de escola daqueles bem clássicos com saia de pregas e gravata diz: “É porque eu amo você... SEU IDIOTA.” Pronto! Ganhou meu coração.
Achei incrível aquela menina chamar o cara que amava de idiota. A menina, no caso, era Rory Gilmore (Alexis Bledel). Estudante exemplar, única filha e neta de uma família rachada ao meio depois da gravidez precoce da mãe. No minuto seguinte a minha cabeça explodiu com toda atmosfera da bucólica e singular Stars Hollow e seus personagens exóticos. Os diálogos afiados e recheados de referências á cultura pop e música, muita música. Nomes de bandas que eu achava que só eu conhecia jorravam pelos diálogos com uma naturalidade impressionante.
Era quase impossível pra mim não me identificar com as meninas Gilmore. Via muito de minha mãe em Lorelai (Lauren Graham), assim como de mim em Rory. Talvez, por influência dela eu tenha cogitado fortemente estudar jornalismo e ciências políticas. Isso sem contar que, finalmente, eu encontrei alguém que falasse mais rápido do que eu.
Ao longo dos mais de cento e cinquenta episódios exibidos por sete anos, Gilmore Girls não mostrou nenhuma grande novidade e, talvez, seja esse o grane segredo da série. Mostrar o cotidiano e deixar o espectador livre para se identificar com os personagens e seus passados complicados e relações complexas.
A série chegou ao fim de forma abrupta, porém, previsível. A história criada por Amy Sherman-Palladino mostrava sinais de desgaste desde a quinta temporada e desandou por completo em seu sétimo ano depois da briga de Palladino com a Warner, o que fez com que a última temporada da série saísse das mãos de sua criadora e fosse parar nas mãos de David Rosental, que deu aos enredos um rumo diferente do esperado.


O revival.

A grande virada de Gilmore Girls aconteceu em dois mil e quinze, quando a Netflix anunciou a compra dos direitos e o início da produção de um revival que contaria a vida dos habitantes de Stars Hallow nos dias atuais, quase dez anos após a exibição do último episódio. Como se não fosse o suficiente, o material seria escrito, produzido e dirigido por Amy Sherman-Palladino.
Durante um ano vimos a escalação do elenco, que conta com 99% do elenco original – ate mesmo o cachorro Paul Anka deu as caras – fotos dos roteiros e muita, mas muita especulação. O que nenhuma das especulações foi precisa em prever foi o clima triste que permeou a volta de Gilmore Girls. Claro que a série conta com todos os toques bem humorados, tiradas engraçadas, diálogos alucinantes e um tsunami de referências à cultura pop atual, mas é a morte de Richard Gilmore (Edward Hermann) que da o tom. Os produtores souberam usar com delicadeza o – assim digamos – gancho da morte de seu interprete em 2014 para contornar os conflitos das Gilmore.
Emily (Kelly Bishop) não esconde a mágoa que ainda guarda da filha por ela ter saído de casa com um bebê recém-nascido nos braços e sumido no mundo aos dezesseis anos. Lorelai ainda tenta – sem sucesso – não ser manipulada pela mãe e Rory não sabe que rumo dar a sua carreira de jornalista que não decola. Quando esses conflitos se chocam com a morte de Richard em um flash back emocionante, a história toma forma e Gilmore Girls – um ano para recordar mostra a que veio.
Em quatro episódios de uma hora e meia, cada um ambientado em uma estação do ano, reencontramos Kirk e seus empregos malucos, Miss Paty e sua escola de dança, Taylor e seus pensamentos megalomaníacos, Paris e sua personalidade enlouquecida a ponto de fazer chorar as meninas do colegial de Chilton e todos os homens da vida de Rory. Luke, o padrasto, Cris, o pai e os ex-namorados Dean, Jess e Logan.
O retorno da série depois de quase uma década, traz uma paralelo interessante. Rory tem hoje trinta e dois anos, a mesma idade de sua mãe no primeiro episódio. Emily precisa se redescobrir depois da morte do marido, assim como Lorelai precisou fazer após ser mãe aos dezesseis anos. Rory, de quem todos esperavam tudo, nada tem a oferecer e está tão perdida em todos os âmbitos de sua vida que causa tanta preocupação quanto sua mãe causou na adolescência. É estranho pensar que quem se identificava com a personagem de Alexis Bledel há uma década, hoje talvez seja muito mais Lorelai.
Não posso deixar de ressaltar as interpretações maravilhosas de Laren Grahan e Kely Bishop. Que mulheres! Grahan consegue passar todas as angústias de Lorelai com um único olhar e Bishop soube como ninguém, dar tom ao sofrimento de Emily.
No fim do último episódio, finalmente, Amy Sherman-Paladino conseguiu usar as famosas quatro palavras que queria para encerrar a série. Essas quatro palavras deixam uma porta imensa aberta para um reboot, ou um abismo imenso para deixar os fãs ainda mais angustiados.
Gilmore Grils – um ano para recordar, fechou ciclos, abriu espaços e conseguiu emocionar.